terça-feira, 19 de maio de 2020

Destine-se



Ontem eu fiquei muito maluca, mas sabe quando a gente fica tão doido, mas tão doido que parece que acaba alcançado certo grau de sanidade. Pois é, fiquei aqui assim, desse  jeitinho...tentando lutar contra um desejo enorme de esganar com minhas próprias mãos certas vaidades humanas, mas vi que elas são inesganáveis. Daí que entrei em uma piração, numa epopéia em rumo a compreençao de certas verdades, e lembrei que quando em pequena ouvira falar, mais de uma vez, que tem coisas que a gente não tem como saber, e que se você fica correndo atrás mesmo de resposta,   ponto final é a loucura. Sempre tive medo desse dia chegar. E assim fui passando minhas horas, fugindo desse enfrentamento, a tal verdade escondida por detrás de todas as coisas. Todas as coisas?  " - menina, todas as coisas é muita coisa, lembra?"
Mas como tinha resmungado, inicialmente, ontem cheguei lá na beiradinha, olhei pra baixo e pensei: mas aqui é onde mora a minha razão? Não gente, não é um ato suicida, é apenas uma ato histérico de descontentamento e sofrimento, ok?  O que detonou essa catarse toda foi quando me deparei com um enorme sentimento de esgotamento em relação a minha raiva, a minha culpa de querer explodir com tnt de desenho  animado certos jogos vampirescos humanos.  Faço análise, logo:  logo nada ... já deveria ter parado de atirar pérolas aos porcos.. Tenho aliadas femininas muito potentes, e junto com o rojão,  me dão um solo de empoderamento absurdo, um solo fértil, sabe? que faz eu cair, bater com a cabeça três vezes na grama, sacudir o corpo de mato e continuar minha travessia sorrindo. Mas também tenho um tesouro de tulipas-culpas, cultivadas em um lindo jardim. Daí que ontem, descabelei o jardim, a peruca, o palhaço, arranquei as flores, e percebi que por mais belas que elas aparentem ser,  é só dar uma cafungadinha bem de perto que vai subir aquele cheiro velho daquilo que já apodreceu. 
Logo depois de ver, rever e desrever inúmeras vezes minhas péssimas escolhas em determinadas alianças pude tirar o pescoço da reta do vampiro, cujo nome é o inominável: eu e os outros...fui que pude convidar todo mundo pra entrar. Afinal, ele já tinha entrado mesmo, ou seja, não havia escapatória. O famoso abraça o capeta, encara a porra da sombra de frente...mas  nem sempre a sombra é reflexo da nossa bela imagem, certo? 
Lembra do filme, de toda sedução, daquele olhar pidão, aquele jeito de "vim aqui só pra te ajudar" ... e depois só a derradeira, aquele calafrio... já sem sangue quente pra dar (metáfora de criação) estribuchei no colchão e chamei o 'moço' pra entrar. 
Sem perdão, culpa, arrepedimento, desculpas e remorsos, ele entrou. Sulgou tudo que podia, e eu pensei, e é agora, agora que quero ver o que vai ser de mim depois que a minha vida  for seifada, e eu pertencer completamente á aquela criatura tão sem alma. Virei o lado do travesseiro, virei de ponta cabeça na cama e pensei, esgotada, pode vir, leva tudo, fui eu que deixei, não foi? Foi quando olhei pro espelho colado no meu armário, do outro lado que costumo dormir,  e me deparei com uma bela, brilhante e acolhedora imagem refletida,  quando torci o pescoço pro lado. O morro e o moço de braços abertos em cima dele, estava dentro do meu espelho. Sorri e pirei. Pronto, agora foi, véio. Pirei de vez.
Mas, de repente,  aquela imagem foi crescendo e  tomando uma proporção tão grande dentro de mim, que já não  tinha eu, não-eu, vampiro, cobras-criadas, não tinha mais nada... meus olhos encheram dágua, e eu via o moço crescendo brilhoso dentro do espelho, ele já não estava mais lá fora, em cima do morrão; estava aqui dentro do quarto. Respirei sem querer, bem fundo, sem ninguém me mandar;  porque a coisa que mais escuto em tempos de isolamento e pandemia,   é  em como devemos:  pensar, respirar, comer, se exercitar... Eu simplesmente, quis respirar fundo e sentir aquele presente que atravessava o espelho. Lembrei da piada de Jesus saindo do armário da mulher infiel, e ri um pouquinho tentando fugir daquele momento  glorioso, mas não consegui, ainda bem, não teve escapatória... senti uma enorme sensação de beleza e paz me preencher o peito, e voltei a razão: sua alma é só sua, as pessoas são o que elas são, não haverá grandes revelações, e nenhuma  transformação depois disso tudo, ajeite o cabelo e siga a seta que brilha mais, daí veio aquela oração que não me lembro bemde quem é e nem como é direito...que dez, dez mil, cem mil cairão aos seus pés...que misturou com a de São Jorge, e veio uma calma, uma tranquilidade, e senti que era só olhar através do espelho que o lá fora já tinha pulado pra cá pra dentro, e o que estava lá fora me assombrando já tinha pulado lá pra outra vizinhança. 
Ô sorte, dormi o sono dos justos de coração, percebi que sou uma boa bisca e que não devo temer, porque sou eu mesma o leão que afago e torço o pescoço todos os dias, já sabia bem como inverter essa confusão toda imaginária, era só virar de cabeça pro ar, e presa pelos pés, acorrentada e exposta aos pássaros, agora, entregue e serena, admirava minha própria imaginação tomar rumos inesperados...Ô sorte.

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

melancolia

Entre efervescências e torpores
Em existência
Essência que pia falha e líquida 
Derrame
Em mim esse lume
Que bem aos poucos se esgota
Embaixo a terra atrapalha os passos
Descalço..
Em úmida descida
Vestida de estrelas e lágrimas 
Em escuro entorno
Este que me liquida
Em fim

Ao raiar da outra que parte
em arte me aninho
sem que o esteio de um braço qualquer me sustente
pelo menos por algumas horas, sou minha
e logo depois caio, de novo, no vazio intolerável da inexistência
tragada por uma vida
assim ceifei-me quando nova
e hoje sou folha morta
posta em um livro

segunda-feira, 20 de março de 2017

Fonte

Vim da mata virgem, cair pra terras de ca ...mãe  ìyà que encarrega a dor, derrama da mata em jorrada de ventre, o azul do sangue vermelho que escorre da água clara.Sai de lá pras terras de cá, e de um golpe d'água, tombei da fonte na terra caiada ... Zunido de tromba d'água, de voz clara, urgente menino, entornado em pedra quente, rompendo assim meu coração ...risca-mato, sete flechas, cristalina fonte, sambore temperado em pedreira...canto de crescer menino, num viver de amar de rio em rio, onde fonte brota gente e leva pra longe o embaraço. De pingar em gota, acariciei o mal, despi a natureza, ungi meus pés em pegadas doces de plantas verdes e meu coração pequeno se fez valente...soprei o vento, empunhei em aço meu bem querer: Arruda do mato/ negra mina/ zabumba/amescla / aveloz/ peguei da mata a flecha d'agua, da terra a permissão, verde e vermelho meu penacho e com meu cajado cumpro minha missão / sopro de vento norte,  seta d'agua, faísca em vida de um viver de verde, de mato morno, de boca d'água, beijo quente, milharal desfeito em pisado torto, assovio fino meu destino errante...afaga a faca, brisa urgente!gira a roda do vento, afaga a faca, brisa urgente/ gira a roda do vento...

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Divina

"Falta um pedaço, e esse é parte dominante. Música que segue sem direção...Nela me perco, me encontro, me deixo, me nego; nela sou ressonante. Nela, não sou eu quem diz, sou menos, sou tola, pequena, infeliz. Nela sou metade, inteira, escrava, cega, aprendiz. Num vai e vem de trovas, trevas, versos e canções, a música é quem manda, quem distrai, entrega, revela, desvela, carrega e desmata emoções...Sou sua filha, esposa, amiga, amante infiel, cavalo selvagem, lua que espera, promessa paga em papel."

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

ontem

Aqui tudo passa lento, passa tempo, passa já
Aqui o hoje e o amanhã já veio
e o menino brinca de espiar
ele carrega o sol nas costas, o pecado e a urgência entre as pernas
O menino chuta o tempo, embolando o novelo das horas
Batuca, tranca, retranca; movimenta leve os segundos
Deixa rastro de menino... oh menino!!... por aí...
Pede um som, uma dose de alegria, uma bossa soul nova
O menino solta no ar seu brinquedo
Vence o cansaço, confunde todas as pernas
Chega manso e enluarado
Chega frouxo, folgado
Num beijo, outro dia...veio ontem: menino e feliz

domingo, 16 de outubro de 2016

moreninha

Vendaval e tormenta, da ilha ficaram os ossos, nas tarde ensolaradas uma infância vivida entre brisas, marés e soleiras, Menina batendo sandália, tranças molhadas, bicicleta, ferrugem e vela queimando. Ilha bela de sossego e imensidão. Joelho ralado, sorvete melado, cheiro de brisa e embarcação. Um pequeno sopro estalando nuvens, cavalgando entre bonecas e passarinhos. No canto doce da tarde, mergulho nas águas frias e me esquento na pedra moreninha.
 O amor juntou meus pedaços, chegou num sonho, num sorriso, num frio de nuca, até o calcanhar; desceu gelando a espinha, amor de homem, princesa e moreninha. Seus olhos de mar e veste de guerreiro, armadura desbotada, destronado trovador. No peito uma flor, um lenço e um punhal.
Assim foi fincando em mim as sete flechas do meu destino, trouxe uma bússula quebrada, um mastro torto, uma garrafa cheia, repleto de saudade, um violão, uma canção, uma ilha

Pedaço de fim

treze velas brancas, em cada canto um punhal,
E assim vou deixando o luar, peço humildemente que se vá em fim
Peço que não volte, que fique quieto, onde o mar resolva espiar...bordadura de imensidão!
Sofreguidão banhando a noite em lume,
Redondilha de percebimento, travando no peito um molestar sem fim
Infiel lastro rei, por sua turrice, caprichoso e urgente, o dia insiste em renascer
Perdido em fim, deixo o tempo encarregar o mastro lento da desilusão
Onda que lambe tudo, traga e se desfaz
Quieto me satisfaço em espuma, em maré embebida em sonho
Vida que se repensa em trago lento