quarta-feira, 9 de maio de 2012


Todos os barulhos aqui dentro e lá fora me assustam muito. Pareço ser a única estrela solitária deprimida acordada em toda a cidade do Rio de Janeiro. Prefiro jogar fora todo o resto de crendice assustadora que habita em minha adolescência nunca concluída.
Sinto muito medo. Medo das vozes que escuto lá fora e das que ouço aqui dentro de casa. 
A solidão me enche de pensamento negativo. Ou os pensamentos negativos me enchem de solidão? Eu sei que me sinto um saco. O mal do século. A núvem negra que paira no alto das zilhões de cabeças espalhadas pelo Planeta. No alto não, dentro, fora, ao redor. O zumbido que não cala: a própria maldita e desdita depressão.
Escrevo porque aqui dentro de mim tem uma pequena luz que insiste em viver e aqui também há escuridão, muita escuridão. A mais linda companheira dos infelizes.
Eu sou muito medrosa, nasci assim. Medo de polícia, de ladrão, de estuprador, de homem lutador de jiu jitsu, de mulher bonita demais. Sou uma verdadeira cagona.
O que me salva é o meu bom humor que não existe, mas que dá as caras aqui a essa hora para me salvar a pele de mais um pensamento negro.
Não quero ser preconceituosa, deixando bem claro que a cor negra reflete a sombra e a clara a luz, e que nada disso tem a ver com a cor da pele das pessoas. Deus não existe (é preciso usar disso como método) e não determina as injustiças sociais, e o demônio não confunde certas coisas, justificando assim a sua inexistência. Está tudo aqui, nesse saco de carne humana.
Aqui dentro penso que lá fora é o tal mundo dos espertos, dos leves, e dos bem humorados. Eu invejo muito os espertos bem humorados. Lembrei agora pouco de um livro de auto-ajuda que dizia sermos parte de nossa identificação, como aquilo que você inveja no outro, você reconhece porque tem dentro de você, ou é uma característica sua, sei lá, algo assim pra consolar.
Mas é preciso ser sábia e pegar algumas pitadas daquilo que te favorece quando se está na merda. Na merda= estar se sentindo uma merda. Será que ninguém e nenhum momento do dia vira pra si próprio e se sente uma merda?Ou então, quando não vira para si próprio, mas olha do lado de fora do carro, ou da janela de algum lugar, e não se sente uma merda por estar em um mundo de merda??Eu ouvi algo assim bem desumano dias desses de um músico muito sensível e fiquei apavorada, mas ele talvez nem saiba que seu ofício o coloca em uma posição privilegiada, a arte é a sublime sublimação do espírito.
O espírito não é livre, não há uma hierarquia do espírito. Eu não consigo aceitar o fato de que algumas pessoas que se dediquem mais horas ao dia para respirar e aceitar sua existência sejam mais felizes do que outras que não tem tempo nem pra respirar, que pega uma condução lotada, que não tem nem dinheiro pra comer; que esses avatares do espírito sejam os privilegiados em glória de cotas de alegria e de possibilidade de redenção. está todo mundo na mesma merda. Vivemos em grupo. Vamos então parar a roda, entrar ali na casa do vizinho e respirar a mesma merda de ar que sufoca o peito.
Dia desses minha mãe rindo nervosa disse que quando era adolescente e sentia raiva (não me lembro do que) gritava nas janelas para os vizinhos ouvirem, dizia que ela estava me matando, que tudo isso estava acabando comigo. Tudo isso o que? A vida, as pessoas, a maldade humana?
Daí conheci as gargalhadas, os amigos, as bebedeiras, a música, e vi que tudo podia ser um pouco mais leve e divertido. Sorri para vida incerta e cambaleante.
Namorei com um, com outro... conheci o primeiro príncipe encantado, era casado. Conheci um que era um guerreiro e que não podia deixar se abalar por alguém tão medrosa. Descobri mais uns três cavaleiros errantes e fiz um filho com um deles. Percebi que a história é da carochinha e que como em um carrossel iluminado, no centro a princesa é um pouco mais baixa e gorda e que o príncipe, lindo e promissor se esfacela em mil pedaços de carne morta quando sai do meio da roda que não para de girar.
Talvez o momento inicial de um relacionamento seja assim, como num brinquedo que roda freneticamente dando borboletas no estômago e fazendo frio aonde não se deve ousar. Mas aí o vestido se abre, junto com todas as outras coisas e os olhos se fecham, pois é assim que aprendemos a nos entregar. 
Eu burlei a cartilha, percebi que a princesa não deveria se manter virgem, deveria se manter menos princesa. 
Fui, cega, surda e muda, como os três clássicos macaquinhos. Hoje guardo no meu peito a mágoa de uma breve vida e um medo de roer os ossos.
Quanto ao sucesso, a baixa-auto estima, a capacidade de realização...Acho tudo isso uma grande merda. Bom mesmo é saber olhar sem deixar ver tudo, saber provar sem engolir a seco a massa preparada de solidão. mastigando, cheirando, sentindo o que é bom pro paladar. Mais que isso, é preciso rejeitar certas guloseimas que a vida nos oferece fartamente.
Pios que isso é se deixar levar pela crença de que há algo maior e melhor e que realizando tudo com o devido jeito se pode evitar certos fracassos. Os fracassos são feitos de matéria de fracasso, não são evitáveis, são concretos e indigestos.
Como a história do músico que desistiu de ser músico ao perceber que seu instrumento rangia, quando jurava para quem estava ali, pra ver e ouvir, que o dele não o fazia. Foi logo no primeiro toque que a teoria da probabilidade cega havia sido confirmada. E o sorriso não o salvou, a vergonha ou a crença de que o seu era o pior de todos os instrumentos o fez desistir. 
Talvez seja preciso evitar o rangido estridente das cordas, mas quem sabe seja através desse pequeno desapontamento sonoro que possa estar a chave para a aceitação de que algo range sim, que é meio feio mas faz parte da arte de quem quer tocar a vida para frente. E a vida é tudo isso, desejo de ser, de estar e de tocar.