segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Vinicius de Moraes / Antonio Carlos Jobim

Mulher mais adorada!


Agora que não estás,

deixa que rompa o meu peito em soluços

Te enrustiste em minha vida,

e cada hora que passa

É mais por que te amar

a hora derrama o seu óleo de amor em mim, amada.



E sabes de uma coisa?

Cada vez que o sofrimento vem,

essa vontade de estar perto, se longe

ou estar mais perto se perto

Que é que eu sei?

Este sentir-se fraco,

o peito extravasado

o mel correndo,

essa incapacidade de me sentir mais eu, Orfeu;

Tudo isso que é bem capaz

de confundir o espírito de um homem.



Nada disso tem importância

Quando tu chegas com essa charla antiga,

esse contentamento, esse corpo

E me dizes essas coisas

que me dão essa força, esse orgulho de rei.



Ah, minha Eurídice

Meu verso, meu silêncio, minha música.

Nunca fujas de mim.

Sem ti, sou nada.

Sou coisa sem razão, jogada, sou pedra rolada.

Orfeu menos Eurídice: coisa incompreensível!

A existência sem ti é como olhar para um relógio

Só com o ponteiro dos minutos.

Tu és a hora, és o que dá sentido

E direção ao tempo,

minha amiga mais querida!



Qual mãe, qual pai, qual nada!

A beleza da vida és tu, amada

Milhões amada! Ah! Criatura!

Quem poderia pensar que Orfeu,

Orfeu cujo violão é a vida da cidade

E cuja fala, como o vento à flor

Despetala as mulheres -

que ele, Orfeu,

Ficasse assim rendido aos teus encantos?



Mulata, pele escura, dente branco

Vai teu caminho

que eu vou te seguindo no pensamento

e aqui me deixo rente quando voltares,

pela lua cheia

Para os braços sem fim do teu amigo



Vai tua vida, pássaro contente

Vai tua vida que estarei contigo.



domingo, 29 de agosto de 2010

mulher selvagem

Aquela velha cruz envergada e seca adormece sobre o lago de águas paradas e lamacentas

Espero deitada em uma canoa velha e desmantelada
Havia uma fogueira com a chama fria e quase apagada
Pensei que voar seria precipitado e fiquei por ali, boiando e observando aquela morna chama que adormecia com persistência sobre a grama umidecida
Os ossos doíam e a mente vagava incerta pelo lago
Pensei em levantar a cabeça e esperar o sol nascer e quem sabe algo mágico me carregasse pra longe do lodo
Aprendi que a flor emerge viva ainda na lamacenta felicidade de rebrotar numa próxima estação
Adormeci de novo e deixei que o vento frio atravessasse meu corpo.
Deixei que os meus ossos esfriassem um pouco mais e percebi que nada aconteceria e que talvez fosse bom que nada acontecesse enquanto o fogo estivesse baixo, a água parada e o coração vazio.
Fechei os olhos mais uma vez e pude ver uma névoa acinzentada...
Quando as mulheres ficam sós em algum canto parece nascer um beija flor que voando insistentemente pelos quatro cantos da alma selvagem que habitam as tantas paredes erguidas pelo tempo... Nas muralhas da alma... Fica certo que a vida não é somente a passagem das horas, tão somente as sementes das possibilidades. A vida é um grande buraco que suporta o tempo inesgotável em sua insistência maléfica de esgotar a suavidade da tempestade negra da selvageria ancestral que ronda a alma feminina.
Se pudéssemos calar um pouco e deixar brotar a tal nevoa acinzentada talvez a eternidade passasse por nós de quando em vez e desse um sopro revigorante de justiça em nossas vidas meninas.
Os filhos germinados acompanham o sopro ancestral que governa as sete portas das sete estrelas escondidas no ventre da mais velha senhora que canta a canção feminina da deusa mãe

Ela governa sem governar

Reza sem pedir

Sabe mesmo é dançar por aí seus véus de estrelas e de poesia...

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Pérolas aos porcos

Não sei de onde veio essa expressão, possivelmente, vou procurar uma indicação mais tarde de sua origem, alguma história bíblica de certo. A imagem sugere tantas possibilidades que prefiro brincar com elas.


Os porcos famintos aguardam a comida, minha sacola está cheia de pérolas, eles olham pra mim como se fitassem um banquete, eu atiro as pérolas aos porcos. Serei devorada.

Os porcos, mal cheirosos, famintos de espírito e sedentos de respostas rápidas para seus problemas de alma recebem dádivas de sabedoria, conselhos astuciosos, incríveis palavras, antídoto contra a ignorância. Entra por um ouvido e sai pelo outro. (Essa também é outra boa expressão para ser pesquisada)

"Pérolas aos porcos" Cem homens em um navio abarrotado de mercadoria contrabandeada das Índias, século dezessete, tumulto, alvoroço, algazarra. Rum e fumaça, um fétido odor apodrecido submerge das peles tostadas dos marujos. Uma dama perfumada e bem vestida adentra a embarcação: pérola aos porcos.

E assim sigo devaneando por aí, pensando em recolher as minhas pérolas e quem sabe acumular alguma riqueza...