domingo, 27 de fevereiro de 2011

Assim falou Zaratustra

Inexprimível e sem nome é o que faz o tormento e a delícia da minha alma, e que é, também, a fome das minhas entranhas..." 

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Coragem

Coragem para quê? Pergunto-me o que deveria saber para enfrentar a besta fera e, qual seria de fato o meu inimigo, além de mim mesma? Essa pergunta não vai além, fica mesmo por aqui e, resolve se esgotar. Pelo tempo que perco procurando vencer, enfrentar e derrotar a mim mesma, já seria suficiente para me reencontrar com alguma coisa em mim que me faça minha. Eu penso, eu desejo, eu passo boa parte do dia, esgotada, cerrada, encerrada em mim mesma. Não jogo fora os desgostos e não gosto de frivolidades. Admiro o bom humor, mas acho que ele cansa, assim como a melancolia excessiva.
Essa tal coisa em mim que me faça minha, pode mesmo vir de fora, mas prefiro que fique nas formalidades, nos breves encontros e nos poucos amigos e, do olhar, aquele companheiro destro de caminhada.
Um pouco de derrota, uma dose de desilusão e desesperança, um passeio ao abismo das pessoas excluídas. Um brinde aos derrotados: aos fracassados, aos bêbados, aos loucos, aos falidos, as mães solteiras, aos desprezados. Não há amor suficiente no mundo que comporte tanta gente desamparada, é fato. Não há caridade suficiente e legítima(nunca é legítima) que sirva para que algo possa deslocar-se e dotar de sentido o inexplicável esgotamento dos sentimentos bonitos que temos pelos outros seres, simplesmente pelo fato deles existirem. Amamos o belo e o semelhante. Aquilo que nos serve de espelho e nunca aquilo que nos faz ter vontade de quebrar o espelho.
O ser humano é tão precário e pequeno.
Eu não sei amar. Não temo mais a feiura, a inadequação, o fracasso e a miséria. Abraço nesse instante o trágico, meu lado sombra eclipsada, minha porção desfigurada e intensa que me eleva a Deus e aos homens. Abraço a secura, a vertigem, a falta de fé e o vazio de palavras. Lanço-me ao delirante, ao baco, ao contra-peso, ao torto e ao infiel. Cansei de ser bela, frágil, ingênua e doce. Deleito-me nesse calar, nesse cerrar de cortinas; deleito-me ao indespertar, ao acaso fosco, a rouquidão das horas, a inexatidão. Agradeço aos heróis derrotados da minha infância; as noites mal dormidas, ao venenos do corpo e aos poetas ensimesmados.
Pra quê me serve tantos sentidos, tantas palavras, tantas analogias, tantas referências, se agora deixo-me ir por aí afoita, descamisada, sem as palavras... Prefiro dar um tiro no gatuno do que colocar o guizo e servir de tecido para suas garras afiadas...sobra-me cor...age!

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

subindo


Julia entrou no elevador e deu de cara com onze homens. Todos altos, magros e bonitos. Levou um tremendo susto quando viu aquela tão fantástica e inusitada aglomeração de deuses. Pega de surpresa não sabia como reagir naturalmente à aquele inusitado e másculo encontro; era como em um anúncio da tv, onde a moça embasbacada não sabe bem para onde olhar, o que fazer com as mãos. Teve vontade de sorrir, de se espreguiçar no meio daquilo tudo:  Será que eu mereço tanto?Será que papai do céu enviou esse presente especialmente para mim? E se o tal poço for a passagem para uma ilha perdida?Eu queria mais é cair, vamos cair todo mundo!!! ou quem sabe ficar preso durante umas duas horas...E se eu tiver que ser escrava desses homens brutos e viris? Sai pensamento!São somente doze andares, onze homens!! é preciso agir, agir...

O mais belo próximo à porta a encara sem timidez sussurrando: 
"porque não coloca logo o batom e aproveita pra fazer aquilo que você nunca mais na vida terá a oportunidade de fazer? ”Fazendo um beicinho com os lábios carnudos.

Batom, fazer, vida, onze homens...Pensou tanto que nada fez, se arrependimento matasse, cairia estirada naquele corredor estreito.
Correu assustada para dentro do apartamento de seus avós. Um apartamento quarto e sala pequeno onde todos cabiam bem, agora estava pequeno demais. Assustada, correu para a cozinha e notou que as janelas que davam para o corredor estavam abertas e, pensou, quem sabe eles pulam aqui dentro. O gênio da lâmpada ouviu seus pensamentos, aqueles homenzarrões entraram pelas janelas, um seguido do outro, como se fossem espiões, ninjas treinados. Julia não sabia se corria para a sala, se oferecia um copo dágua, ou se arrancava logo o vestido se jogando em cima deles, como num moche em um show de rock. 
Ela percebeu que era apenas uma coadjuvante e, resolveu render-se a tão adorável conspiração. 
Foram para a sala, ela e aquele que deu a investida no elevador. Os outros? Acho que foram para o quarto, parecia haver mais gente por lá. Julia olhou para ele com aquele olhar ingênuo pecaminoso; como se perguntasse sem palavras qual seria o próximo passo, como se não soubesse. Apressou-se em não perder mais a deixa e dessa vez foi direta, botão por botão, firme do desabotoar do vestido. "Eu só faço uma coisa". Foi virando ela de lado, acariciando seus cabelos, respiração quente na nuca. "Como assim: só faço uma coisa?" É, só faço mesmo o número dois.“ Virando-a bruscamente de costas, empurrando-a de quatro para o chão.
Até aquele momento estava certa; ia despir-se de seus valores morais, entregaria-se à aquele adorável desconhecido que lhe sugerira beijos de batom no elevador, agora queria fazer logo de cara, o número dois. 
Número dois ...não era como se chamava o ato de evacuar no banheiro, que coisa mais grosseira, um estranho tão belo, de porte elegante, conseguiria tudo de mim, agora resolveu falar, falar em número dois.Foi se erguendo lentamente, tirando as mãos que já estavam espalmadas do chão. Não podia calar-se, tomar-me nos braços, ir aos poucos acariciando minhas costas, descendo a mão suavemente pela lombar, encostando-se em meu corpo: imenso, rígido...quando eu percebesse já teria me deixado levar... agora, resolveu abrir  essa boca imunda...
Abotoei o vestido, ajudei-o a levantar as calças como se faz com uma criança desajeitada, ele sorriu sem graça e dali tomou seu rumo incerto, sem ao menos tentar contornar a desastrosa intervenção numérica.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Hilda Hilst


Nave
Ave
Moinho
E tudo mais serei
Para que seja leve
Meu passo
Em vosso caminho, 
 Dizeis que tenho vaidades.
E que no vosso entender
Mulheres de pouca idade
Que não se queiram perder
 É preciso que não tenham
Tantas e tais veleidades.
 Senhor, se a mim me acrescento
Flores e renda, cetins,
Se solto o cabelo ao vento
É bem por vós, não por mim.
 Tenho dois olhos contentes
E a boca fresca e rosada.
E a vaidade só consente
Vaidades, se desejada.
 E além de vós
Não desejo nada.


sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Quem não me conhece que me compre
sou nada barata e quase sempre cara
Minha cara
distraída
Esqueço de mim
apago um pouco os passos
corro, vôo
carros passam
carros demais
rápido demais
pessoas gritam, zombam de mim
pessoas zombam de mim
os loucos são aqueles
resolvem
simplesmente resolvem
vão
Sou alma perdida
asa quebrada, leite derramado, pedaço de mim
criança
sento montada em um adulto
Penso não, penso não
Penso não, penso não

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

de olhos abertos


Fui dar uma voltinha no céu. Lá me pareceu um lugar como outro qualquer, onde circulavam muitas pessoas: estranhas, desconhecidas, umas mais aflitas que outras, algumas um pouco menos  desorientadas; outras completamente perdidas, despersonalizadas; carcaças desalmadas, desencarnadas, pedaços humanos despessoalizados.
Não eram almas desencarnadas. Ainda estavam por aqui e por lá, ao mesmo tempo e agora.  
Consciente e desperta, de olhos semi-abertos; sinto que vou adormecendo de novo e, penso que ,talvez, não seja bem o céu aquele lugar por onde andei, não aquele céu que eu imaginava: hedonísta, encantado.O meu céu.
Tudo começou mais ou menos assim. Um barco virava de um lado para o outro, em um movimento pendular frenético; um casal estava preso à borda, agarravam- a com força; como  num barco viking do parque de diversões, só que sem os cintos de segurança, era ao mesmo tempo divertido e perigoso, num movimento de vai e vem, de vida e de morte. De fora, observava aflita e imaginava que caso soltassem as mãos, talvez pudessem sobreviver, porém estavam presos àquele movimento repetitivo e ele os levaria ao gran finale. 
Pessoas olhavam, como numa grande arena, quando uma mulher com longos cabelos negros se jogou, agarrando também a embarcação e prosseguindo ao lado do casal, agarrando a borda do brinquedo. Não via água, apenas, suponho que fosse, pois um barco flutua na água. Porém, essa imagem não é  real, tridimensional e, nesse  desembaraçar de palavras, não me atenho aos aforismas; jogo fora os preceitos morais na não-tão-justa-medida. O barco afundava em alguma substância e retornava veloz à tona, cada vez mais rápido, como um barco de brinquedo dentro de uma banheira, nas mãos de uma criança onipotente,  gigante e feroz. 
A mulher de longos cabelos negros foi junto para o fundo, ou para o raso, pois não posso precisar se era embaixo ou em cima, se estava raso ou se era profundo. Não sobrou ninguém pra contar a história. Quer dizer, eu estou aqui para contar a história.
Nesse mundo de pessoas tortas e aflitas que se esbarram diariamente, despertei de olhos fechados e, sabia ser aquele canto do tempo, um céu, um novo e desconhecido céu. 
Dei um salto, fiz uma passagem, atravessei o portal e lá estava eu andando em um lugar que dei o nome, no princípio da coisa, de céu. Eu  procurava um abrigo, uma saída, um reconhecimento. 
O céu dos desesperados, dos desterrados, dos desalmados; substância humana em estado de inconstância, sem pouso, nem repouso. 
Não havia casas, nem lugares privados, eram terrenos compartilhados, grupos que se reuniam, como se obedecessem alguma ordem invisível; eu circulava entre eles, como se procurasse um canto para mim, naquele emaranhado de almas despregadas. Eu era mais uma, desgarrada de minha couraça de crenças e pensamentos, parte do rebanho, buscando consolo, orientação: - alguém poderia me dizer aonde ficar!!
Recordo vagamente de uns rostos com certa familiaridade. Pipocava de um lugar para o outro, não tinha tempo para conversar, para descansar, tempo, não tinha tempo. Havia atravessado a terceira dimensão, estava na quarta dimensão espacial; mais precisamente, numa quinta e misteriosa dimensão, em um recanto quadridimensional. 
Agora posso lembrar melhor dos detalhes e também afirmar que qualquer julgamento racional de minha parte me faria esquecer de novo essa viagem ortogonal. Fagulhas humanas eram semelhantes e ao mesmo tempo diferentes à minha imagem, era como se meu reflexo estivesse desfocado, como numa revelação imprecisa de um outro rosto que já nem era meu e de mais ninguém. 
...