terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

de olhos abertos


Fui dar uma voltinha no céu. Lá me pareceu um lugar como outro qualquer, onde circulavam muitas pessoas: estranhas, desconhecidas, umas mais aflitas que outras, algumas um pouco menos  desorientadas; outras completamente perdidas, despersonalizadas; carcaças desalmadas, desencarnadas, pedaços humanos despessoalizados.
Não eram almas desencarnadas. Ainda estavam por aqui e por lá, ao mesmo tempo e agora.  
Consciente e desperta, de olhos semi-abertos; sinto que vou adormecendo de novo e, penso que ,talvez, não seja bem o céu aquele lugar por onde andei, não aquele céu que eu imaginava: hedonísta, encantado.O meu céu.
Tudo começou mais ou menos assim. Um barco virava de um lado para o outro, em um movimento pendular frenético; um casal estava preso à borda, agarravam- a com força; como  num barco viking do parque de diversões, só que sem os cintos de segurança, era ao mesmo tempo divertido e perigoso, num movimento de vai e vem, de vida e de morte. De fora, observava aflita e imaginava que caso soltassem as mãos, talvez pudessem sobreviver, porém estavam presos àquele movimento repetitivo e ele os levaria ao gran finale. 
Pessoas olhavam, como numa grande arena, quando uma mulher com longos cabelos negros se jogou, agarrando também a embarcação e prosseguindo ao lado do casal, agarrando a borda do brinquedo. Não via água, apenas, suponho que fosse, pois um barco flutua na água. Porém, essa imagem não é  real, tridimensional e, nesse  desembaraçar de palavras, não me atenho aos aforismas; jogo fora os preceitos morais na não-tão-justa-medida. O barco afundava em alguma substância e retornava veloz à tona, cada vez mais rápido, como um barco de brinquedo dentro de uma banheira, nas mãos de uma criança onipotente,  gigante e feroz. 
A mulher de longos cabelos negros foi junto para o fundo, ou para o raso, pois não posso precisar se era embaixo ou em cima, se estava raso ou se era profundo. Não sobrou ninguém pra contar a história. Quer dizer, eu estou aqui para contar a história.
Nesse mundo de pessoas tortas e aflitas que se esbarram diariamente, despertei de olhos fechados e, sabia ser aquele canto do tempo, um céu, um novo e desconhecido céu. 
Dei um salto, fiz uma passagem, atravessei o portal e lá estava eu andando em um lugar que dei o nome, no princípio da coisa, de céu. Eu  procurava um abrigo, uma saída, um reconhecimento. 
O céu dos desesperados, dos desterrados, dos desalmados; substância humana em estado de inconstância, sem pouso, nem repouso. 
Não havia casas, nem lugares privados, eram terrenos compartilhados, grupos que se reuniam, como se obedecessem alguma ordem invisível; eu circulava entre eles, como se procurasse um canto para mim, naquele emaranhado de almas despregadas. Eu era mais uma, desgarrada de minha couraça de crenças e pensamentos, parte do rebanho, buscando consolo, orientação: - alguém poderia me dizer aonde ficar!!
Recordo vagamente de uns rostos com certa familiaridade. Pipocava de um lugar para o outro, não tinha tempo para conversar, para descansar, tempo, não tinha tempo. Havia atravessado a terceira dimensão, estava na quarta dimensão espacial; mais precisamente, numa quinta e misteriosa dimensão, em um recanto quadridimensional. 
Agora posso lembrar melhor dos detalhes e também afirmar que qualquer julgamento racional de minha parte me faria esquecer de novo essa viagem ortogonal. Fagulhas humanas eram semelhantes e ao mesmo tempo diferentes à minha imagem, era como se meu reflexo estivesse desfocado, como numa revelação imprecisa de um outro rosto que já nem era meu e de mais ninguém. 
...

Um comentário:

  1. Que texto bacana, Marcella. Deu para viajar com você nesse sonho ortogonal. Gostei das imagens e muito da ausência do tempo deste lugar, essa quarta dimensão sempre me intrigou. Parabéns!

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